Autoria: Moacir Rauber, palestrante, coach e escritor
“Os egoístas não sabem conversar; só falam de si próprios!”
Amos Alcott
Em determinadas organizações, o que mais se espera de um profissional de secretariado é a sua capacidade de articulação. Para este fim ele precisa ser capaz de construir um ambiente apropriado que estimule o diálogo entre as diferentes pessoas que ocupam as funções e que formam os grupos dentro da organização, cada qual com as suas responsabilidades. Sendo esta a principal capacidade é natural que ela seja precedida pelas competências interpessoais de construção de relacionamentos. Para isto precisa-se saber estar e saber conversar.
Importante destacar o que se entende por competência, mesmo que não haja consenso sobre o tema no âmbito organizacional. No entanto o importante a reter é que o conceito surge “modernamente, como forma de superar a dicotomia tradicional entre aptidões técnico-profissionais (habilitações e experiências) e comportamentais” (Camara et al., 2007, p. 343). Os autores dizem também que na verdade “reconheceu-se que o facto de uma pessoa possuir uma considerável bagagem técnica de pouco servia, a menos que estivesse disposta a pô-la ao serviço da Empresa” (2007, p. 343), o que é uma das premissas do profissional de secretariado. Pode até parecer que seja uma atribuição da área de recursos humanos das organizações, mas certamente os profissionais que entenderem que ter mais do que a competência técnica é um grande diferencial competitivo serão muito mais efetivos. O próprio entendimento dessa necessidade revela também a percepção sistêmica da organização.
Numa tentativa de aclarar o conceito de competência Ceitil (2007, p. 41) expõe que “as competências são comportamentos específicos que as pessoas evidenciam, com uma certa constância e regularidade, no exercício das suas diferentes actividades profissionais”. Nada mais apropriado para um profissional de secretariado que, além das suas competências técnicas específicas, precisa saber articular para criar um ambiente propício ao diálogo que contribua na busca por resultados comuns.
Com isso em mente a competência, segundo Ramos e Bento (2007), forma-se pelo saber, saber fazer, querer fazer, poder fazer e, finalmente, pelo saber estar. O saber diz respeito a um conjunto de conhecimentos que possibilitam a um indivíduo desempenhar as suas funções, apresentando a conduta esperada associada às competências, o que é fundamental para um profissional de secretariado. O saber fazer contempla as habilidades que permitem com que a pessoa aplique na prática os conhecimentos que detém para solucionar as exigências em contexto de trabalho, o que também é indispensável para um profissional de secretariado. O querer fazer refere-se à motivação pessoal do indivíduo e ao contexto mais ou menos estimulante no qual intervém, devendo-se essa habilidade a uma postura mais ou menos assertiva do profissional frente as demandas. O poder fazer remete-nos para a existência de um contexto, de uma organização do trabalho, da forma de gestão e de condições sociais que tornem possível que o indivíduo aplique o seu saber, cabendo uma grande parcela de responsabilidade ao profissional de secretariado na articulação do contexto. Por fim, grande ênfase é dada neste texto ao saber estar, competência resultante de uma combinação do desempenho das tarefas que determinada função exige e as atitudes adequadas face aos objetivos, as normas da organização e as pessoas que formam o seu ambiente de relacionamento em geral.
Reafirma-se que não há mais espaço para quem não tenha competência técnica para exercer as tarefas derivadas de determinada função. Porém, também isso não é o bastante! Por isso, precisa-se de um profissional de secretariado que tenha competência no sentido amplo da palavra envolvendo o saber, o saber fazer, o querer fazer, o poder fazer e o saber estar. Cada item com a sua importância, entretanto há que se considerar que tudo o que existe fora da natureza é feito pelas pessoas e para elas. Assim, pode-se concluir que é no saber estar com as pessoas que estão as oportunidades de viver bem, respeitando, trabalhando, cooperando, interagindo, auxiliando e contribuindo para um objetivo comum.
E para saber estar é preciso saber conversar.
E o que é conversar? São muitos os sinônimos e significados. Como sinônimo pode-se pensar em dialogar, papear, tagarelar, prosear, falar e por aí vai. Mas conversar no ambiente de trabalho de um profissional de secretariado tem como pano de fundo a ideia de fazer fluir.
Quando Machado de Assis diz, “Eu gosto de olhos que sorriem, de gestos que se desculpam, de toques que sabem conversar e de silêncios que se declaram” aproxima-se daquilo que se pretende. O sorriso nos olhos, consequentemente na conversa, é importante, porque facilita a comunicação. Os gestos que desculpam, saúdam, estimulam e dão força são fundamentais. Os toques que orientam, assim como os silêncios que falam são habilidades indispensáveis para que os profissionais de secretariado exerçam a sua função com a competência que se espera.
“O homem divide uma conversa em duas partes: falar e ouvir sua fala interior”, disse John Fowles identificando o que vai no íntimo de cada um no exato instante em que se expressa ou em que se interage com outras pessoas. Saber que nós temos uma conversação paralela interna enquanto estamos num momento de interação também é um fator importante, porque nem sempre ela nos é aprazível ou seria produtiva se a revelássemos. Ela existe. Não há como evitá-la. Assim como as emoções as conversas internas estão presentes, porém somos responsáveis pelo que fazemos com elas. Peter Senge, em a Quinta Disciplina (1992), trata-a como a coluna esquerda, descrevendo maneiras de usá-las a nosso favor.
Para Malcolm Forbes “A arte da conversa está em escutar”. E quem pode negar. Escutar é muito diferente de ouvir. Posso ouvir um ruído qualquer ou o canto de um pássaro, entretanto o que eu escuto é muito diferente. O ruído que ouvi pode fazer com que eu escute o perigo de uma batida ou a queda de um copo, por exemplo. O canto de um pássaro pode permitir que eu ouça o seu contentamento ou o seu desespero. Assim, aquele que souber escutar poderá certamente conversar melhor. Encontra-se amparo conceitual em Maturana (2001) que diz que somente há conversa quando há escuta, porque é quando se escuta que o que é falado tem validade. Assim é o escutar que direciona o processo de comunicação.
Maturana (2001) destaca também pontos que estão presentes numa conversa, como o contexto, o estado emocional e a história pessoal daqueles que conversam. Conhecer e saber sobre isso é fundamental para o profissional de secretariado que quer fazer a diferença, que quer fazer fluir. Entender o contexto onde ocorre a conversa evitará problemas e ruídos na comunicação que se pretende com a conversa. É o contexto que condiciona a forma de falar e de escutar, portanto condiciona a conversa. Também merece destaque perceber o estado emocional dos envolvidos na conversa, sabendo da predisposição para agir ou não a partir dela. Tudo pode ser diferente dependendo do estado emocional daqueles que conversam. Por fim, recordar que cada um tem a sua história pessoal que determina aquilo que cada um é e que está presente na conversa. Fala-se e se escuta a partir da forma como nos construímos a partir de nossa história pessoal.
Para se desenvolver tais percepções é necessário ter a flexibilidade mental para poder ouvir, escutar e processar querendo realmente entender o ponto de vista daquele com quem se conversa. Deve-se ter a humildade para saber que se é possível estar errado quando todos estão de acordo, também o é quando as opiniões divergem. Se é possível pensar o contrário, também é possível que a solução seja contrária àquilo que inicialmente se imagina. Descobre-se isso somente quando se tem boa habilidade para conversar, mas principalmente quando se sabe escutar. Lembre-se, mais e mais pessoas vão a consultórios de psicólogos e terapeutas para falar, muitas vezes pagando fortunas. Pode-se depreender, então, que escutar é algo muito valioso.
Por isso, temos a ideia de que conversar é o entendimento por meio da palavra, mesmo que sem a sua presença, buscando soluções e evoluções num ambiente em que se tem objetivos comuns.
Hoje, como juiz de jogo jogado, facilmente se pode deduzir que o grande diferencial competitivo da nossa espécie tenha sido essa capacidade de conversação e de comunicação que nos permitiu a superioridade no planeta. Já não se luta mais pela sobrevivência como espécie. Nossas buscas são outras.
Inicialmente a habilidade de comunicação serviu muito mais para a transferência de conhecimentos que atualmente tem outras bases muito mais eficazes. A conversação hoje ocupa papel determinante como fonte de influência e poder, de mudança de comportamentos e de geração de novos cenários. Essa é a realidade do profissional de secretariado que deve aprender e dominar as práticas conversacionais para transformar o ambiente de trabalho num espaço mais produtivo, proveitoso e prazeroso.
Tendo em mente o que se pretende ao se estabelecer uma interação comunicativa com alguém no ambiente de trabalho fica mais fácil determinar a sua forma. Ao se iniciar uma troca de ideias com o propósito dos objetivos organizacionais definidos e em primeiro plano as possibilidades de êxitos são maiores e melhores.
Deve-se lembrar que as conversas podem ter finais em que os envolvidos perdem, porque terminam em atrito. Também podem apresentar finais em que uma das partes se sente vitoriosa, o que em contrapartida gera outra que se sente perdedora. E por fim, pode-se ter a situação em ambos saem com o sentimento de haver ganhado algo, certamente a situação ideal para conversas organizacionais e também pessoais.
Destaca-se aqui a importância de entender que não se conversa para vencer, mas sim para construir. Assim não há necessidade de desenvolver o sentimento de se estar enfrentando alguém, mas sim de compartilhamento com uma pessoa que naquela organização tem objetivos comuns. Não há partes contrárias. Há um todo do qual somos partes constitutivas e colaborativas.
As conversas são preciosas. Um rei que estava em seu leito de morte fez uma pergunta que se espalhou pelo reino, O que havia de mais importante na vida?. Rapidamente muitos se puseram a responder a questão. Inúmeros feitos fabulosos foram relatados, porém foi vencedora a resposta dada por um jovem que disse, O mais importante da vida é o agora; a pessoa mais importante é aquela que está a sua frente; e a coisa mais importante a ser feita era tratar bem quem está a sua frente. Tratar bem com quem se conversa, seja pessoalmente ou por meio das diferentes tecnologias, porque é a partir das conversas que nós mudamos e, consequentemente, alteramos o mundo. Para o bem ou para o mal depende de cada um.
Uma conversa pode ser iniciada dando uma opinião. Ao emiti-la lembre-se que a sua frente pode estar alguém que tem uma opinião divergente da sua. Lembre-se também que a sua verdade nem sempre é a verdade dos demais.
Uma conversa também pode ser entabulada comentando um fato. Seja habilidoso para escolher algo que possa ser do interesse do seu interlocutor, despertando-o para o aprofundamento da conversa.
Da mesma forma, uma conversa pode ser iniciada com um pergunta. A pergunta tem sido a principal ferramenta para as conversas nos processos de coaching. Cabe destacar que sempre que se perguntar há que demonstrar real interesse pelo outro. Seja autêntico. Perguntar para realmente contribuir com a situação que se pretende resolver ou para os procedimentos que se querem implementar. As perguntas não podem ser feitas com o intuito de convencer alguém ou mesmo com a sorrateira intenção de induzir a mudança de opinião. As perguntas devem demonstrar genuíno interesse nos objetivos da conversa sem descambar para interesses próprios.
Cada indivíduo tem como inteligentes as suas opiniões e não sentem nenhum prazer em vê-las denegridas. Por isso, numa conversa não conteste. A contestação pode ser o caminho para o descaminho. A pergunta deve ser feita para transformar a conversa num quadro em que todos possam contribuir. Por isso, ao fazer uma pergunta também se deve lembrar dos limites da intimidade que se goza com quem se conversa.
Por isso, muito mais do que falar com chefes, supervisores, diretores ou colegas de trabalho o profissional de secretariado deve saber estar para saber conversar; saber conversar para saber perguntar; saber perguntar para saber fazer fluir.
Bibliografia
Camara, P., Guerra, P. & Rodrigues, J. (2007). O Novo Humanator – Recursos Humanos e Sucesso Empresarial. Lisboa: Dom Quixote.
Ceitil, M. (2007). Proposta de definição do conceito de competências. In M. Ceitil (Org.), Gestão e Desenvolvimento de Competências (pp 39-44). Lisboa: Edições Sílabo.
Martins, L. C. (2011) A arte de conversar. Acessado em 10 de abril de 2013 <http://pt.scribd.com/doc/74018522/a-arte-de-conversar-tecnicas-para-argumentar-e-convencer-luiz-carlos-martins>.
Maturana, H. (2001). Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Ramos, E. & Bento, S. (2007). As competências: Quando e como surgiram. In M. Ceitil (Org.), Gestão e Desenvolvimento de Competências (pp 85-116). Lisboa: Editora Sílabo.
Ulrich, D., Brockbank, W., Johnson, D., Younger, J. (2007). Human Resource Competencies: Responding to increased expectations, Employment Relations Today, p. 1-12.